sábado, 27 de dezembro de 2008

Atenção ao sábado


Queria postar hoje uma crônica minha, mas por causa de alguns problemas (aqueles aproveitadores de sempre), minha mente não conseguiu organizar as idéias. Por ser o último sábado do ano, acredito que um texto da Clarice Lispector é sempre bem vindo. Esse texto estava numa agenda e achei oportuno para esse dia, e também porque a Du irá gostar . Portanto boa leitura!


ATENÇÃO AO SÁBADO

Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.

No sábado é que as formigas subiam pela pedra.

Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho.

De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana.

Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é?

No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde.

Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais.
Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.
Domingo de manhã também é a rosa da semana.
Não é propriamente rosa que eu quero dizer.

by Clarice Lispector (do livro "Para Não Esquecer", Editora Siciliano - São Paulo, 1992)


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